“A si mesmo se humilhou, tornando-se obediente
até à morte e morte de cruz”. Filipenses
2.8
Algumas pessoas ao
lerem estas palavras do credo apostólico ficam se perguntando: Será que Jesus
foi mesmo ao inferno? E se Ele foi, o que Ele foi fazer lá?
Este questionamento nos
permite expor a respeito da doutrina dos estados de Cristo. Em geral “estado” é
a posição ou estatus que alguém guarda na vida, e em particular o modo de relação
forense em que alguém se coloca diante da lei, enquanto “condição” é o modo
de existência pessoal, especialmente segundo o determinam as circunstâncias da
vida. Assim, aquele que diante de um
tribunal de justiça é condenado se encontra em um estado de culpa ou de
condenação, ao que, em geral, segue uma condição de encarceramento com todos os
seus resultados de vergonha e privações.
Na teologia os estados
do Mediador se consideram, geralmente, acompanhados das condições
resultantes. De fato, os estados
diferentes de humilhação e exaltação, segundo costuma-se defini-los, têm a
tendência de por em realce, mais as condições do que os estados. Entretanto, os estados são mais importantes
que as condições e assim devem ser considerados.
No estado de humilhação
Cristo esteve debaixo da lei, não só como regra de vida, mas como a condição do
pacto das obras, e também debaixo da condenação da lei, mas no estado de
exaltação está livre da lei, havendo cumprido a condição do pacto das obras e
havendo pago o castigo do pecado.
Fundamentando-se em
Filipenses 2. 7 e 8, a teologia reformada distingue dois elementos na
humilhação de Cristo: o fato dele haver posto de lado a majestade divina,
e em haver se sujeitado às demandas e
maldições da lei. O elemento essencial e
central do estado de humilhação encontra-se no fato de que aquele que era
Senhor de toda a Terra, o supremo legislador, se coloca debaixo da lei
cumprindo, em benefício de seu povo, com todas as obrigações representativas e
penais que ela impunha. Por isto, se fez
legalmente responsável pelos nossos pecados e atraiu sobre si a maldição da
lei.
Este estado é refletido
na correspondente condição que se descreve nas etapas de humilhação:
encarnação, sofrimento, morte, sepultamento, e, descida ao hades.
No Antigo Testamento,
fala-se sempre dos mortos como indo a seus pais, descendo ao Sheol. Os
tradutores da Septuaginta empregaram a palavra hades para traduzir sheol.
Ambas querem dizer: mundo invisível habitado pelo espírito dos mortos,
aí se encontram em plena consciência, uns em estado de miséria e outros em
estado de felicidade.
Muitas vezes, a palavra
hades no Novo Testamento significa apenas morte (1 Co 15.55), enquanto inferno
é sempre lugar de sofrimento (Mt 18.19; Mc 9.47-48).
Ao analisar algumas
passagens bíblicas que são citadas para demonstrar que Cristo desceu ao inferno
(em um sentido peculiar a ele propriamente) notamos que as mesmas não ensinam
isto: I- Salmo 16.8-10//Atos 2.25-27, 30-31 – alguns concluem que a alma
de Cristo estava no inferno (hades) antes da ressurreição, porque o texto diz
que ela não foi deixada ali. Porém: a) a palavra alma se usa com frequência no
hebraico como pronome pessoal e sheol como o estado de morte; b) se entendermos
desta maneira essa palavra, teremos um claro paralelismo de sinônimos. A ideia expressa seria que Jesus não foi
deixado no poder da morte. c) Isto está em perfeita harmonia com a
interpretação de Pedro em Atos 2.30,31 e a de Paulo em Atos 13.34,35. Nos dois casos está citado o mesmo salmo para
provar a ressurreição de Jesus. II- Salmo 18.5 e 116.3 – a alusão em ambos
os casos é a ideia familiar de alguém em uma rede. A ideia é que o salmista se sentia tão enleado
que a morte lhe parecia inevitável. Isso
é algo muito diferente de “desceu ao inferno ou sheol. Além disso, a posição em
que a clausula em questão se mantém no credo proíbe tal interpretação. Ela
seque a clausula referente à morte e ao sepultamento de Cristo. É a exegese
natural das palavras imediatamente anteriores. “Ele foi crucificado, morto e
sepultado, e desceu ao Sheol”, isto é, ingressou no estado invisível. Mas seria totalmente estranho dizer: “ele foi
morto, sepultado e sofreu extrema agonia”, quando se admite que seus sofrimentos seus
sofrimentos terminaram na cruz. (Inferno – no caso, se refere ao que é
invisível, o que está encoberto. Todos
os mortos, justos e injustos vão para lá).
Rev. Jonas M. Cunha
(continua no próximo boletim)